domingo, 5 de fevereiro de 2023

O Efeito Gavroche




 
Olá meus queridos e minhas queridas, como vão?


Hoje finalmente resolvi falar de um assunto que há anos me intriga, de certo que na verdade o assunto de hoje é apenas um "gênero" de todo o espécime. Quais seriam as circunstâncias que direciona o comportamento de alguns poucos jogadores a tão somente jogarem contra jogadores absurdamente fracos no site Flyordie. E é claro que estou falando do nosso jogo favorito: o Othello/Reversi.


Eu entendo o quão frustrante deva ser jogar contra alguém com um nível retumbantemente maior do que o nosso, uma vez que esse fato nos tira todas as boas expectativas de aprendizado absorvido ou vindouros, já que as derrotas frente a estes predadores costumam ser, não (ou nada) raras, avassaladoras, então sim... entendo.


Mas o legal não só no jogo quanto na vida é que o tempo passa, os aprendizados vêm naturalmente, ao seu tempo, bem como a resiliência e humildade necessária para entender que sempre haverá jogadores superiores a nós também, jazem como algo tão claro quanto o sol em um lindo dia de verão, verdade que valerá muito mais como deslumbre e apreciação do que como algo a se debruçar, pois assim a única coisa que ganhará será ensolação, miopia ou cegueira (a beleza e a dádiva também machucam, e até matam).


Bom, depois dessa mini-introdução, apenas quis dizer que tomando os devidos cuidados, usando de uma certa disciplina e dedicação, nada nos impede de enfrentar jogadores um pouco ou até bem mais fortes do que nós, mesmo que as derrotas venham, e hei de vir em abundância de início, mas toda essa forja em brasa incandescente tenderá a tornar-vos um metal mais robusto, resistente e afiado.


Mas, o que acontece com alguns jogadores da nossa plataforma húngara, o Flyordie?


Pois bem, apresento-vos o Efeito Gavroche, em homenagem a um nickname fake da plataforma que somente jogava contra jogadores que tinham 0 pontos (zero pontos).


Talvez eu devesse ignorar esse fato, mas por ter uma mente naturalmente investigativa, e ser um apreciador do comportamento humano, ficaria difícil não tentar entender a mente por detrás desse nick.


Por que ela agia dessa forma? Foram anos fazendo a mesma coisa, um hábito implacável, irredutível e uma retidão quase religiosa a um rito nonsense, uma disciplina que deixaria qualquer "homem de valor", estoico, shaper ou investidor em criptomoedas com inveja! Todos, ou quase todos os dias lá estava ela buscando o dia inteiro adversários que tinham 0 pontos. De fato ela por ser boa o suficiente para ganhar dos péssimos dos péssimos, acumulou muitos pontos e subiu ao status vermelho, que para quem não é assinante do site, é o escudo mais alto da plataforma. Ah, então tá resolvido, ela só queria ficar com o escudo vermelho! Será?


Mesmo após atingi-lo, a mesma (tomei a liberdade de definir o gênero como feminino, porque a mesma já usou por anos uma foto feminina, mas de fato ninguém sabe com certeza o gênero) continuou, e continuou ininterruptamente, seria agora por pontos?


O Flyordie tem uma regra que proíbe essa prática (jogar contra fracos para ganhar pontos de maneira recorrente) mas ninguém fiscaliza isso, nem mesmo outras normas. Mas um dia ela foi banida e perdeu todos os seus pontos, o que a fez protestar e, continuar jogando contra os 0 pontos até ser escudo vermelho de novo.


Agora que já entenderam um pouco da natureza da dona do nick em específico, lançarei meus questionamentos, mas espero já deixar claro que não estarei sendo generalista, capacitista, ou gerontofóbico (idosofobia), apenas serão indagações de um leigo tentando entender algumas coisas.


Envelhecimento:


É natural que depois de uma longa vida de trabalhos e estudos, finalmente chegue o esperado momento da aposentadoria, o que faz com que o tempo ocioso aumente, em detrimento disso, surgem recomendações muitas vezes de terceiros para que continuem exercitando o cérebro e, a soma disso é uma permanência excessiva em sites ou aplicativos de jogos, já que são fáceis de acessar, simples, intuitivos e viciantes. Porém, ao contrário de um bebê, criança ou adolescente, uma pessoa idosa mesmo que com a ajuda natural da neuroplasticidade, tem em geral um nível de aprendizado menor a de uma pessoa jovem, o que impede um progresso significativo no jogo, mesmo que a extensa experiência de vida e até a boa noção em outros jogos similares até ajude um pouco, não é o suficiente para absorver o novo como uma pessoa jovem, então nesse caso alguns idosos se frustram, têm uma longa sequência de derrotas, que por sua vez gera um extenuante e massacrante ataque a autoestima. Alguns lidam bem com isso? Sim, conheço jogadores idosos que não se importam nenhum pouco com isso, mas seria ela, a nomeadora do Efeito Gavroche uma exceção?


Ou seja, nesse caso seria uma mulher de avançada idade, porém com um ego muito inflado, ao qual não aceitasse a derrota, eis o motivo de jogar somente contra jogadores dos quais ela tenha uma boa ideia serem inferiores tecnicamente a ela. Uma vez tendo tempo de sobra e ego demais, viciou nessa prática autoenganativa como se tomara uma pílula de serotonina a cada vitória.


Autismo:


Como bem sabemos, pessoas com espectro autista gostam de rotinas, e há alguns degradês que diferenciam essa condição, ao qual não tenho conhecimento acadêmico para discorrer, mas em geral são em média bem inteligentes e levam uma vida normal, já que o autismo em si não é doença, e sim mais uma forma humana de ser. O fator inteligência dessa condição contradiz o fato de a detentora do Efeito não ser muito expert no jogo, uma vez que é uma jogadora bem mediana, mas... teria algum autismo e o fator rotina diária, com ela jogando em seu cantinho favorito da casa, com seu computador, notebook ou celular, sempre contra jogadores com 0 ponto, o indício de que seja esse o caso?


Doença/Internação


Seria a detentora do Efeito uma paciente hospitalar ou alguém sem condições de viver socialmente por limitações em decorrência de questões de saúde, presa a uma cama, quarto ou hospital? De fato, estar nessa terrível condição deixa qualquer boa alma para baixo, o que não seria surpreendente tentar se progetar virtualmente como alguém forte, não importando os meios.


Mas, convenhamos, ainda assim a chance seria bem pequena, já que pessoas nessas condições costumam ser bem resolvidas, já que grandes obstáculos na vida tendem as nos amadurecer, a ver a vida sob uma nova perspectiva, de certo querer "ser escudo vermelho" a qualquer custo em algum site soe de maneira deveras infantil, o que não condiz com a maturidade dessas pessoas em geral.


Imaturidade Cronológica:


Sabemos que crianças e adolescentes não medem palavras ou atitudes tal como um adulto psicologicamente saudável, já que a área do córtex pré-frontal demora até os 21 ou 23 anos de idade para se consolidar (essa área cerebral além de outras coisas serve para o discernimento, filtragem e controle de impulsos) o que por sua vez poderia se manifestar dessa forma em um site, pois também sabemos que é nessa idade que se inicia a purberdade (no caso dos adolescentes) e seus hormônios, junto a todo o processo autoafirmativo dentre seus pares, e talvez alguns destes falhando nesse processo tão difícil e importante, que é o encaixe social, se frustre com o mundo e, despejem toda sua ira sendo o mais notado e forte personagem dentro de uma plataforma online, que no caso seria o Flyordie, seja através do uso de softwares especializados para angariar pontos, seja burlando regras para subir o score, dentre elas, jogar só com quem tem 0 pontos ou até mais pontos, desde que seja alguém fraco (deixando um adendo aqui: nem sempre quem tem 0 pontos é ruim, pois TODOS que criam nicks começam com 0 pontos, em teoria até mesmo o campeão mundial, outra coisa é que basta apenas uma vitória para subir do 0 ao 15 pontos, ou seja, jogadores de até 100 pontos e sem experiência, ainda são terrivelmente fracos), então seria apenas uma criança ou adolescente extremamente frustrado com o mundo real, protegendo seu ego e autoestima em um site de jogos?


Nesse caso, uma garota com não muita idade que está se divertindo jogando contra jogadores fraquíssimos e se iludindo com a sua própria pontuação, enquanto usa a imagem de alguma personagem do Rebeldes em seu perfil. E sim, era essa a imagem de perfil durante um bom tempo.


Bonificações do site:


Dependendo do número de partidas, tempo online, e frequência e quantidade que joga os torneios do Flyordie,  qualquer um ou quase, pode ganhar algum agradinho da plataforma, como uma estrelinha amarela ao lado do nick, por exemplo. Há jogadores lá que participam de todos os torneios de todos os jogos atrás dessas premiações, mas... a dona do Efeito não, ela não jogava torneios, uma vez que por lá há muitos jogadores com mais de 0 ponto, claro. O que segundo suas regras, já é alguém forte para ela, mesmo que tenha 1 ponto.


Lembram quando disse que esse Efeito era apenas um gênero de um espécime muito maior?


Então, por lá também encontramos além de predadores de 0 pontos e/ou jogadores fracos com poucos pontos, os programeiros contumazes, ao qual estão há anos e anos quase todos os dias, convidando jogadores com alta pontuação para jogar e roubar pontos, usando seus respectivos programas, vai desde jogador antigaço e veterano, a jogadores que surgiram mais recentemente.


Em alguns desses exemplos, temos alguns que se negam a acreditar que exista alguém que passe dos 600 pontos sem usar programa, meio que projetando a própria desonestidade sobre os demais (eu e vários passamos dessa margem de pontos facilmente sem problemas, não é difícil), a quem se odeiam entre si, mesmo sendo e fazendo as mesmas coisas (dois bicudos não se bicam?) de qualquer forma estão quase todos os dias lá há anos. Seria para fortalecer a biblioteca do próprio programa? Seriam programadores? Seria bom se fosse, mas muito provavelmente não é o caso. Não digo que seja geral, pois para cada regra há uma exceção, antigamente no Flyordie existia um jogador brasileiro que somente jogava usando programa, mas naquele caso era sabido, como ele próprio disse, para aumentar a biblioteca do seu próprio programa, já que ele sim, era um programador. Outra coisa a esclarecer aqui, é que por incrível que pareça, usar programa no Flyordie não é proibido! As regras dos sites permitem em teoria que cada jogador tenha 2 nicknames, um para jogar com as próprias habilidades, e outro para jogar usando alguma enginer, de qualquer forma o site marca o nick do programa com uma exclamação vermelha à frente do nick (!).


Agora voltando aqui ao Efeito Gavroche, mais em especial ao ritual dos 0 pontos, talvez, e só talvez algo do que escrevi se aplique a eles, eu não sei. Mas, sempre achei esse comportamento absurdamente estranho.


Há outra singular turma, que são os que nunca aprendem a jogar estrategicamente (só conhecem as regras e a importância dos cantos) chegam a ter mais de 180 Mil partidas finalizadas, e jogam desde 2009 ou os mais recentes desde 2013, mas continuam com um nível baixíssimo de habilidades, chega a ser quase inexistente qualquer noção de estratégia que vá além da importância dos cantos como já dito anteriormente. Porém acho que todos devam ser manifestações do mesmo processo, mas expressos de formas diferentes. Destes, os que têm ego inflado apelam para os mais fracos, ou usam de trapaça, os que são mais tranquilos, apenas jogam sem parar por anos sem apresentar quaisquer mudança perceptível em seu progresso técnico e, sem qualquer objetivo a curto ou longo prazo. É a pura recreação.


Agora para as considerações finais, o que tiramos de tudo isso? Não sei, mas acredito que os iguais de uma forma ou de outra acabam se encontrando, o jogador que não tem interesse em progresso, acaba voando baixo, e acaba virando presa de outro tipo de jogador que não pensa em, porém aprende o básico para derrotá-lo. Por outro lado a turma que não quer ou não consegue aprender e, usa de trapaça para angariar pontos, trombam com jogadores que também amam pontos, mesmo que não usem programa.


Enfim, acho que é isso que tinha a falar, espero não ter ofendido ninguém com esse breve texto, e que todos tenhamos tirado alguma coisa curiosa de tudo isso.


Obrigado.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Fan Mien, O Reversi Milenar Existiu?

 



Olá a todos, tudo bem com vocês reversianos?



Vamos falar de um assunto interessante hoje aqui, um no qual remete a um hipotético ancestral milenar do nosso tão amado jogo Othello/Reversi. Afinal, existiu mesmo o Reversi milenar e, qual a origem dessa história (ou estória) que alguns sites propagam por ai? Bora lá?


Pois bem meus amigos e amigas, já venho notado há um tempo, incansáveis sites propagando em suas repartições publicitárias ou explanativas, textos que fazem alusão a uma possível origem oriental e milenar ao jogo Reversi, que peremptoriamente propagam as mesmas explicações de que: “Reversi é um jogo cuja história ninguém sabe ao certo, e que alguns acreditam que foi criado em Londres por John  W. Mollett ou por Lewis Waterman no século 19, e outros creem que foi criado na China com o nome 'Fan Mien'", tais sites disseminam as duas hipóteses com pé de igualdade como se de fatos fossem antagônicas e igualmente aceitas pela comunidade Internacional de jogadores e estudiosos da história do jogo, o que me fez elaborar a seguinte questão: Será mesmo que o estranho jogo Fan Mien foi de fato o predecessor do jogo Reversi na antiga Londres, ou terá sido isso uma invenção que através de boatos se propagou como um incêndio e se alastrou por inúmeros sites ao redor do mundo?


Venha comigo e, vamos ver o que descobrimos sobre essa história, (ou seria “estória”?) em torno do lendário Reversi Milenar...


Fan Mien


Estava eu a navegar pela web tentando conhecer o "vovô" do Reversi, que diziam se chamar: Fan Mien, esse era o nome desse belo e notório ancião de importantes reinados antigos e, ansioso eu estava para poder vê-lo, tamanha foi a minha surpresa ao descobrir que o ancião milenar não era lá muito fã de fotografias, ao ponto de nenhum artefato fotográfico ou pincelada artística terem engarrafado um vívido e límpido retrato deste senhor reversiano... Fiquei encabulado, eu confesso, mas não sou de desistir assim tão fácil e, prossegui afinco na busca, quase arqueológica, dentre todos os fragmentos empoeirados das vastas dinastias no encalço do famigerado "Fan Mien" o tal jogo que alguém, de talvez suma importância, atribuiu valor inegável, na base do que viria a ser, o Reversi londrino. Céus e céus, não encontrei nada além de ctrl+c e ctrl+v... Apenas cópia e cola, tanto em inglês quanto em português, de uma tal ascendência reversiana provinda de um tal jogo oriental chamado "Fan Mien"... Mas, o dito cujo, não vi e não consegui traçar nenhuma linha direta entre quaisquer jogo daquela parte do mundo com o Reversi londrino, a não ser aquela explicação da associação japonesa de Othello onde correlacionam a base do Othello de Goro Hasegawa ao GO, coisa da qual todos já devem saber, se tratar possivelmente de um desvio documental. Em minhas pesquisas, e com a ajuda de um amigo que logo, logo citarei aí abaixo, notei que a ideia de um jogo chinês, com características similares ao jogo londrino e, consequentemente ao nosso Othello, germinou de um livro lançado em 1954, por E.O. Harbin (pseudônimo?) chamado: “Games of Many Nations” onde, dentre provavelmente muitas menções, ele citou um jogo chinês que devia lembrar o Reversi londrino em seu aspecto estrutural e estratégico, e só. Infelizmente esse livro é de difícil acesso para nós brasileiros, eu pessoalmente gostaria muito de saber de onde Harbin tirou estes enunciados, gostaria de saber e estudar suas premissas, mas o que tenho e o que me chega em pesquisas tanto em inglês, português e mandarim são fragmentos de tudo que conseguiram enxugar de sua obra lúdica e, que frustantemente não explana absolutamente nada sobre as conclusões que tiraram de sua obra, sobre a origem do jogo Reversi, prerrogativas quase que “religiosas” por parte de propagadores da ideia do Reversi milenar.



Acredito que Harbin por si só não teve um papel tão decisivo na disseminação da ideia, e sim alguns de seus leitores que detinham algum conhecimento sobre o jogo londrino ou da recém invenção patenteada de Hasegawa, o Othello; e que em um frenesi de deslumbramento e entusiasmo, (e também hiper-propagada com a ajuda e advento da Internet, em um mundo onde o que se passa "nas nuvens" do ciberespaço ganha cada vez mais importância do que se passa fora dele) propagaram que o jogo Reversi se equivalia aos jogos mais tradicionais já conhecido, como GO, Xadrez ou Mancala, e que o colocando como um sobrevivente milenar, ganharia suma importância frente aos concorrentes do mundo contemporâneo, seria muitíssimo legal, se não fosse um possível engano. Não há correlação alguma de jogo oriental com o Reversi inglês e, cansado de procurar e não achar absolutamente nada, pedi a ajuda de um amigo que também tem um certo tato para pesquisas, Alfredo Jara, editor do blog “Othello No Brasil” e tradutor do livro: “A minute to learn... A lifetime to master” de Brian Rose para o português, e fiquei surpreso quando o mesmo descobriu por exemplo que o nome "Fan Mien" é o nome de uma cidade ao sul da China, seria possível que Harbin (se é que ele foi para lá ‘algum dia e ainda por cima’ durante as décadas de 1940 e 1950 em plena Revolução Chinesa, conjecturou) viu um jogo similar ao Reversi nessa região e à priori concluiu que devesse ser “vô” do mesmo? O mais estranho foi a descoberta de que "Fan Mien" em tradução livre para o português significa: “Do outro lado” ou algo similar a isso, que remete a ideia de “dois lados”, binarismo, antagonismo ou algo de sentidos contrário, ideia que lembra a dinâmica do jogo Reversi de fato. Estranhamente eu já havia descoberto, ao pesquisar sobre quem de fato foi E.O. Harbin, que “Harbin” na verdade, é também o nome de uma cidade ao norte da China, onde é comemorado um festival na cidade de gelo, que é como a cidade fica de dezembro a fevereiro durante esse festival, (nem mencionei o fato de uma cidade ficar ao norte e outra ao sul, “binarismo”?). Sobre o tal Harbin, o amigo Alfredo Jara descobriu e me enviou um link, onde detalhava algumas informações sobre o mesmo, e dentre essas informações, pude ver que ele escreveu outros livros, tais como: “Nova Enciclopédia da Diversão (1985), Diversão e jogos antiquados (1978) FUNOLOGIA: 1.000 Jogos e planos de entretenimento (1951) dentre outros” e descobri que ele fazia parte do conselho de educação da Igreja Metodista, e nada mais além de uns ensaios de filosofia é possível obter desse anônimo escritor. A verdade é: Enquanto há uma miríade de evidências, pormenorizadas traçando possíveis elos entre o Reversi londrino e o Othello atual, com documentos, livros e jornais, já com seja lá o que Harbin aborda em seu livro, não há uma só prova esticada para páginas de Internet que pudessem ser analisadas por especialistas em jogos de tabuleiros, não há nem sequer uma imagem digna do que seria esse tal jogo de origem chinesa chamado "Fan Mien", não há outros autores falando do jogo e, por fim, não há nenhum órgão oficial do jogo Othello que mencione "Fan Mien"como sendo precursor do Othello atual. Não estou aqui dizendo que tudo que órgãos oficiais dizem deva ser crível tão somente pela égide da “autoridade”, pois há muitos veículos por ai, oficiais, que falam absurdos tamanhos em quase todos os assuntos da sociedade humana, mas quando todos os órgãos oficiais, com bases concretas, dizem a mesma coisa, é um bom sinal de que aquele possivelmente seja o caminho correto, apenas nos cabendo averiguar se de fato é.



Rota da Seda



Sabemos de toda a importância dessa antiga rota no comércio e formação de grandes civilizações no passado, tal como a egípcia, mesopotâmia, indiana e obviamente a própria chinesa, que se fazia valer guardando o segredo a sete chaves da receita de fabricação da seda, produto esse que nomeou a rota. Como também foi de suma importância no transporte e distribuição de animais domésticos, porcelanas, artefatos culturais, invenções das mais variadas, alimentos exóticos e etc. E até mesmo de traços culturais, linguísticos e religiosos que migraram de povos para povos durante anos de existência da rota. Essa rota não só importou seda, como também não somente se limitou à terra firme, as suas rotas marítimas com o domínio das técnicas de navegação, tiveram real importância ao longo do tempo na influência cultural de todas as regiões e culturas daquela época.



Então, teria algum jogo com dinâmica reversiana atravessado essa rota da China à Antioquia, posteriormente Pérsia e depois Europa? Ou costa marítima indiana, árabe, Mar Mediterrâneo e Europa? Quem sabe? Porém não irei discorrer sobre esse assunto por ser bastante complicado e exigir maior especialidade na área, o que posso dizer é que não achei nada que me levasse a crer na teoria de Harbin. Outro fato é de que, se o único critério que Harbin usou para concluir que um jogo era parente de outro foi somente sua similaridade, isso acaba em uma enxurrada interpretativa da qual cada um, a seu bel-prazer, poderia rotular como primos, qualquer jogo com regras e estilos parecidos, mesmo que distantes geograficamente e no tempo, como por exemplo o jogo “Latrúnculo” que em um lance rápido de olhar, qualquer ser humano que conheça o jogo Reversi, diria se tratar do mesmo jogo... E não poderia ser diferente, tabuleiro 8X8 e peças pretas com brancas ou vermelhas, o problema é que esse é um jogo com regras diferentes e tão antigo que era jogado no Império Romano e até mesmo antes disso, na Grécia antiga. O tabuleiro que Mollett criou e, que posteriormente Waterman sofisticou, era em formato de cruz, pois bem, que tal dizer que Mollett se baseou num jogo chamado “Patolli”? Nada mal, já que este também era um jogo em formato de cruz, o problema estaria no fato de que este era um jogo com regras e dinâmicas muito diferentes do Reversi de Mollett e, que fatidicamente era jogado por povos da Mesoamérica, de nobres Astecas à Maias, este era um jogo muito popular naquela época, desde 200 AC à 1521 DC. Ainda na região asiática, teríamos o “Ming Mang”, originário do Tibete, que detém um tabuleiro parecido com o jogado em Reversi, (também na antiguidade foi jogado em tabuleiros de GO 17x17 e/ou 19x19, dependendo da época) e modos de capturas de peças que ligeiramente lembram um pouco o jogo Reversi, tanto quanto o próprio GO o lembra, jogos de regras parecidas, mas sem vínculo direto. Como veem, não da para somente correlacionar jogos pela suas similaridades anatômicas e até mesmo estratégicas. Acredito que determinar criações (e também seres vivos) como próximas tão somente pelo critério anatômico, é tão errôneo que levar-nos-ia a conclusões risíveis, como dizer por exemplo que a Pirâmide de Tenochtitlán da civilização asteca, que foi construída em 1375, teve como base e influência as pirâmides egípcias de 4.000 mil anos atrás, como a pirâmide de Gizé por exemplo - a não ser que você acredite no que o excêntrico livro “Eram os Deuses Astronautas?” de Erich von Däniken diz a respeito disso, com alienígenas ditando as regras e toda a fantasiosa ideia. A lógica (construir amplo embaixo e mais cônico acima, para sustentar o peso) e a laboriosidade tanto quanto a engenhosidade humana explicam melhor essa questão do que suposições fantasiosas. Ainda citando outro exemplo, agora dentro da zoologia, seria o mesmo que dizer que morcegos são pássaros somente porque têm asas e quase sempre têm o mesmo tamanho, não é assim que a taxonomia de animais funciona, correto? A não ser que você esteja amplamente desatualizado nessa questão. Voltando ao assunto principal, temos jogos nascidos do Reversi vivos hoje em dia, poderia falar alguns, mas vou me abster somente em dois, o primeiro é o “Biversi” de Bill Taylor, jogo esse jogado em um tabuleiro de 9X9, onde dois grupos de peças pretas e brancas (um na esquerda superior e outro na direita inferior) dispõem-se nas intersecções dos cruzamentos das linhas em verticais e horizontais (assim como no GO), jogo de regras similares ao Reversi e de conexão direta com o jogo Reversi. Já o outro jogo é o “Revertello” de Fred Horn (jogo de 2004) é jogado em um tabuleiro hexagonal, com três peças brancas e pretas dispostas já no início da partida, no centro do tabuleiro. Os dois jogos citados, quanto outros dos quais não mencionei, tem parentesco direto com o jogo Reversi, o fator histórico e documental sempre vem em primeiro lugar em qualquer julgamento dessa natureza, mas sendo o mais preciso possível, qual é exatamente o elo decisivo que une o Reversi londrino ao Othello atual? Quer minha opinião sincera sobre essa correlação? Então lá vai, a base de criação do Othello atual, teve estímulo no Reversi londrino, porém eu estaria enganado se dissesse que isso é uma verdade inquebrável, pois devido ao grande hiato secular entre as duas criações, fica difícil traçar um paralelo irrefutável e intrínseco entre os dois jogos, sem contar a resistência cultural japonesa em dar alusão a tudo que venha de fora do Japão, falo isso pois até mesmo a Associação Japonesa de Othello, até o momento, nunca chegou a mencionar em seu site oficial a história bem documentada do Reversi londrino, talvez por questões comerciais ou copyright, no máximo eles podem encaixar a ideia da criação do Othello, ao jogo GO. E então você me pergunta: Mas o GO é um jogo chinês, correto? Sim, mas foi levado ao Japão muitos séculos antes e, meio que se incorporou à cultura local e ficou indissociável dos campos japoneses, tanto quanto o jogo Dominó (que também é de origem chinesa) se incorporou à cultura brasileira dos sonhorzinhos no bar jogando e bebendo, isso era mais popular antigamente aqui no Brasil, confesso, mas ainda é tangível como sendo algo peculiar à nossa cultura, e até mesmo a cultura latino americana em geral. Talvez por isso, foi mais fácil à associação japonesa de Othello intricar “Othello + GO”, isso seria como estar falando de jogos inventados no mesmo país... e olha que ainda faltavam muitos anos para que Yumi Hotta criasse um dos mais premiados Animes da história, o “Hikaru no GO” que foi uma sensação no Japão, elevando a popularidade do GO a um patamar quase sem precedentes na história! 


E então, voltando ao tema principal dessa postagem, conhecendo a tendência humana para invenções, será mesmo que no antigo Oriente, sem provas concretas e verificáveis, se baseando apenas em interpretações póstumas ao que um autor anônimo escreveu décadas atrás, é possível dizer que a proposta do Reversi milenar seja o predecessor do Reversi londrino e, consequentemente do nosso Othello atual?


Acredito firmemente que se você, leitor desse blog, for uma pessoa com um nível de ceticismo balanceado, saberá da resposta na ponta da língua, que será a mesma que a minha, um sucinto não. Mas, caso você leitor desse blog, por algum motivo conjecturou possibilidades das quais eu não me atentei e, acredita sim numa origem milenar e oriental para esse jogo, sinta-se à vontade para comentar logo abaixo nos comentários e, (sem ironia alguma) informar as fontes para que eu possa colocar um adendo com tais fontes, além dos agradecimentos.



Mas, por hora a minha opinião é a de que Fan Mien o famigerado tal Reversi milenar, é uma invenção, um equívoco que provavelmente nem mesmo partiu do autor do livro.


De qualquer forma, deixo claro aqui que aprecio e consumo cultura oriental em geral, seja a bela e futurista cultura japonesa, seja a exótica e moderna cultura chinesa, bem como a revolucionária cultura coreana, sem falar em todas as belas paisagens e história que há em todo o Oriente, que são encantadoras e riquíssimas em conhecimento.


Meu muito obrigado, e até mais.




Algumas fontes e complementos de leitura:




Di.fc.ul. (um dos sites que criticam a história chinesa do Reversi)




http://www.di.fc.ul.pt/~jpn/gv/othello.htm 




El Reversista (o mesmo conteúdo do site Di.fc.ul, mas mais resumido e em espanhol)



https://sites.google.com/site/elreversista/variantes/tipos-de-movimientos-adicionales-o-distintos



Othello Classic (um resumo da história oficial do jogo)



https://othelloclassic.blogspot.com.br/2011/07/quem-inventou-o-othello-mollett.html



Othello Classic (um resumo da história do jogo no Brasil)



https://othelloclassic.blogspot.com.br/2017/06/o-resumo-da-historia-do-othello-e.html



Harbin, a Cidade de Gelo



http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=22804 



Fan Mian, Cidade Chinesa



https://www.google.com.br/search?q=Fan+Mian+-+China&oq=Fan+Mian+-+China&aqs=chrome..69i57j69i60l2.5120j0j8&sourceid=chrome&ie=UTF-8 




Setup Group, INC. (um dos propagadores da história do Reversi Chinês)



http://www.setupgroup.com/xo/othello.php 




China Link Trading (os jogos mais populares da China)



http://www.chinalinktrading.com/blog/os-jogos-mais-populares-na-china/




List Verse (os 10  jogos mais populares na China)



http://listverse.com/2013/01/20/10-most-important-board-games-in-history/




Yahoo (um pouco sobre Harbin, o autor)



https://answers.yahoo.com/question/index?qid=20071220154331AASKxNC




Youtube, Documentário Sobre Jogos da Antiguidade – GO e Xadrez Chinês



https://www.youtube.com/watch?v=YMVaUN0YAXc



Wikipédia - Reversi (História Oficial)



https://en.wikipedia.org/wiki/Reversi




Wikipédia – Latrúnculo



https://pt.wikipedia.org/wiki/Latr%C3%BAnculo



Ludopedia - Patolli



https://www.ludopedia.com.br/jogo/patolli 




Amazon (livro do Harbin: Game of Many Nations)



https://www.amazon.com/Games-Many-Nations-Harbin/dp/B0000CJ13V 



Agradecimentos



Alfredo Jara



Link para o seu blog: http://othellobrasil.weebly.com/