segunda-feira, 4 de novembro de 2019

A "Obrigatoriedade" do Vencer



Nos últimos dias, semanas e meses eu tenho enfrentado um dilema quase inédito na minha vida, e ele consiste basicamente no porquê da escolha, uma vez que não há a vontade em si, ou o propósito tangível da ação. Eu comecei a jogar Reversi em 2004, offline em um celular antigo, parei depois de alguns meses e voltei só no final de 2006, já de modo online. Fui descobrindo o jogo, me encantando com suas nuances estratégicas, me deslumbrando com sua complexidade e prática, aprender e se tornar um master era o meu primeiro propósito ali estabelecido. Em 2009, já com bastante habilidade no jogo e, superado o primeiro propósito e ainda assim encantado com a dinâmica e plástica do jogo, resolvi criar um blog para assim, pode ensinar as coisas que eu aprendi aos demais, tanto no mundo online quanto presencial, esse foi meu segundo propósito, e nasceu o Othello Classic, que teve um papel muito positivo na minha vida; foi a passagem da infância para a idade adulta dentro do jogo, simbolizando, foi assim, metaforicamente que eu hoje entendo essa fase. Depois de várias postagens, que foram desde aquelas falando sobre estratégias básicas, às que falavam sobre competições ao redor do mundo, eu resolvi que eu mesmo poderia estar lá, em um desses campeonatos presenciais, dos quais até então só tinha um: O famigerado Campeonato Brasileiro de Othello, e foi assim que em 2011, eu me aventurei na minha primeira competição oficial, já que eu tinha ganhado um extraoficial organizado na nossa cidade, Franco da Rocha, no início de 2009, mas estar ali no oficial, era o início do meu terceiro propósito, participar e, quem sabe ganhar um campeonato brasileiro de Othello, e ganhei nesse mesmo ano, feito que me deixou muito feliz, muito feliz mesmo!


Passaram-se os anos, e eu pude participar de mais campeonatos brasileiros, onde ganhei quase todos, (na verdade só perdi um) mas continuei treinando mesmo assim. Até que em 2014 eu consegui comprar finalmente um tabuleiro oficial de Othello, o mesmo utilizado no campeonato mundial, esse meu era de uma linhagem antiga, quando a marca ainda era Tsukuda, hoje é a MegaHouse. E assim, tive a ideia e a coragem de começar a gravar vídeo aulas de Othello, que foi quando começo meu quarto propósito, e assim foi. Com o tempo, para ajudar a divulgar, criei alguns grupos no Facebook e no Whatsapp, onde a grande maioria foi se desmanchando aos poucos (a maioria das vezes eu deletei o grupo), posso chamar essa fase de o quinto propósito, e se estabeleceu de alguma forma até os dias atuais, onde agora, no ano de 2019, não me apareceu mais nenhum propósito, e eu preciso desses propósitos para me entregar a qualquer projeto de vida, sem eles, não tenho porque jogar, não tenho porque treinar, por exemplo.


Parece bobagem, mas uma coisa por enquanto, dentro da minha mente, do meu discernimento, ainda está ligada a outra, posso ser um bom entusiasta/jogador/professor desde que eu esteja me sentindo hábil a isso, mas uma vez onde eu não tenho mais estímulos externos, a vontade de jogar, treinar somem gradualmente. Claro, tenho consciência de que ir a um abrigo para menores abandonados, ou lar de idosos e levar meus tabuleiros para ensiná-los algo lúdico seria gratificante, e para isso nem sequer é necessário saber jogar estrategicamente de fato, basta saber as regas e ter vontade de ensinar. Mas o fato é, que como jogador, com a ambição competitiva, vontade de ganhar, esse propósito/fase em mim, já passou. Talvez os propósitos posteriores vieram como algo intrínseco, quanto mais eu divulgava e ensinava, mais eu ficava com vontade de jogar, treinar e competir, quanto mais eu jogava, treinava e competia, com mais vontade eu ficava de divulgar e ensinar. E agora? Qual o meu verdadeiro propósito em voltar a jogar?


Vou fazer um pequeno resumo agora, mas é importante saber. Até o início de 2018, eu tinha uma amiga lituana que jogava todo dia comigo de manhã, e quando eu estava livre das minhas obrigações, à tarde também. Era muito divertido jogar com ela; que tinha um nível bem inferior ao meu, mas que depois de jogar tanto comigo, acabou aprendendo bastante ao ponto de conseguir ganhar de mim às vezes, eu jogava com ela desde 2013, era minha amigona online, conversávamos de tudo, desde política mundial, lituana e brasileira, até futebol, passando por assuntos famosos no momento, que foi manchete tanto no país dela, quanto aqui no Brasil. Enfim, ela trabalhava fora da Lituânia, ela às vezes tinha que passar mais de um mês na Letônia (país do lado) na cidade de Riga, capital daquele país, mas sempre voltava animada como sempre. Às vezes ela viajava à lazer mesmo, me enviava até fotos dos países aonde ela ia, muito legal e, antes que alguém pense, sim, ela era uma pessoa real. Bom, dessa vez, ela simplesmente falou que iria se ausentar um pouco, mas sumiu. Nunca mais voltou desde março de 2018, no início achei que fosse mais uma das longas viagens dela, pois ela já chegou a passar oito meses trabalhando fora, mas nos enviávamos emails, já que nossa conversa habitual mesmo era no chat do site de jogos onde jogávamos, mas dessa vez nada. Nem responde os emails... Por saber de algumas coisas sobre ela, e por suspeitar de outras, tenho quase certeza de que infelizmente ela se foi... Ela não faria isso com um amigo, acho de verdade que ela se foi... Não tenho como ter certeza, mas meu coração diz isso. E o que isso tem a ver com minha falta de vontade de jogar?


A princípio o meu hábito de jogar online de manhã ou quando podia, continuou, mas foi diminuindo aos poucos, porque descobri que não tinha a mesma graça jogar com estranhos, o que me fez começar a só querer jogar com pessoas que eu conhecesse, todos brasileiros. Que era algo, ao menos diariamente, impraticável, pois cada um tem a sua rotina. A minha amiga não só me faz falta como o ser humano magnífico que era, mas também como a pessoa, depois da minha ex, que mais me incentivava a jogar. Não que ela falasse diretamente, mas não precisava. Ela, querendo ou não, era meu treino também, e a pessoa que me fazia juntar risada com Reversi, era um estímulo para mim, que se foi. Ainda consegui participar de bastante torneios em 2018, onde ganhei todos, incluso o brasileiro, mas ao meu ver, fadado a enjoar com o tempo. Em 2019 parece que o efeito chegou, já fazia meses que eu não jogava com a mesma frequência de antes, e foi diminuindo ainda mais, somando-se problemas pessoais também. Em maio de 2019 eu parei de vez de jogar, só jogava comigo mesmo ou tentava resolver algum problema ou outro na Internet. Meu nível tem diminuído drasticamente, mesmo assim ainda consegui ganhar um torneio online, e perdi um presencial, mas joguei bem até, mas longe do que eu era. A pergunta é: Qual será o meu sexto propósito?


Por hora não tem, o que me faz ficar totalmente sem vontade de jogar ou evoluir. Tenho algumas ideias, mas são só ideias por enquanto. Dar aulas online poderia ser o sexto, mas é só uma extensão do quarto propósito. O que me sobra é só o resquício de “campeão” onde tenho a ilusão da obrigação de ganhar, o que é um fardo que me nego a carregar, pois a minha habilidade no jogo sempre esteve ligada à vontades, desejos e propósitos, sem isso, sou apenas um simples jogador. Tenho outras perspectivas de vida, não sei se consigo dedicar tanto tempo ao Reversi, pois sem propósito, perde um pouco do sentido. Mas de uma coisa eu tenho certeza, adoro jogar Reversi, e esse sempre será o meu jogo favorito.

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